“não há como ficar indiferente quando alguém escolhe sair de cena com a dignidade a que poucos podem ter acesso.”
🗣️Fala, Helê 👩🏾🦳
Júnior Bueno conseguiu sintetizar em poucas palavras sentimentos e questionamentos despertados pela morte do poeta Antônio Cícero - que alguém descreveu, com perspicácia e admiração, como o único filósofo que tocava no rádio. Quando recebi a notícia, pensei imediatamente no House, o doutor vivido por Hugh Laurie, e tive que rever minha concordância com uma de suas máximas, de que não há dignidade em morrer. Talvez haja, pensei após ler a despedida absolutamente racional que Cícero deixou aos amigos e admiradores. Uma despedida pré-suicídio que nem a Academia Brasileira de Letras, nem a grande imprensa hesitaram em publicar. Talvez porque não use essa palavra maldita, talvez justamente pela coerência irretocável.
Acho que poderia utilizar a mesma lógica em situação semelhante, exceto dois senões: a impossibilidade financeira e consciência religiosa (culpa religiosa talvez seja mais preciso). Então, apesar de compreender e concordar com cada palavra da justificativa do poeta, eu provavelmente não teria coragem para tomar a mesma atitude (e certamente não teria dinheiro). Mas ainda assim me pego pensando nas muitas argumentações sobre a ética desse ato, que envolve, inclusive questionar se é de suicídio que se trata ou se a palavra não cabe. Se é possível concordar, com alguma facilidade, em abreviar a vida de um animal em sofrimento, por que a mesma decisão sobre um ser humano é tão controversa? E não é curioso que, apesar disso, 11 em cada 10 matérias sobre o tema falem e louvem a dignidade de Antônio Cícero — os mesmos veículos que costumam enaltecer os que “lutam contra o câncer” ou “perdem a batalha” contra a doença? É possível pensar sobre essa escolha isolando o componente ‘religião’ da equação - ainda mais nosostros, latinoamericanos?
Há muitas lentes pelas quais se pode olhar para a questão; ouço atenta as conversas sobre o tema. Porque ao envelhecer a gente para de desconversar quando a morte dá as caras. E ela aparece de muitos modos, mais ou menos distante, cada vez mais frequente.
Helê, lembrei do nosso orixá Gil, recentemente, ao dizer à Preta, sobre a volta do câncer e o novo tratamento, algo como “se estiver sendo muito difícil pra você e se for sua hora, aceite”. Ela disse que isso tirou dela o peso de "ter que lutar" e deu tranquilidade para que ela decidisse que, sim, queria mesmo lutar. Sábio Gil. Ganhar ou perder para a doença passa por mil perspectivas...
adorei o texto. taí um tema que me divide muito. depois de ver o filme espanhol mar adentro, duas décadas atrás, eu tendo a ser mais aberto e compreensivo com quem decide interromper a vida para evitar um fim degenerativo ou uma condição paralisadora. mas entendo também quem não concorda. enfim, ao menos pela obra dá pra saber que este homem amou a vida. (obrigado pela menção, sua linda)