Tempo fatiado e outras coisas
Duas histórias duras, mas bem contadas, e uma convenção chamada calendário
🗣️Fala, Helê 👩🏾🦳
Fui ver Ainda estou aqui por insistência da minha filha, que voltou do cinema impactadíssima com tudo: enredo, atuações, contexto histórico etc. Não fosse isso eu provavelmente deixaria para quando passasse na TV. Porque cinema tornou-se um programa caro e que pode ser muito desagradável, dependendo da plateia mal-educada na qual você pode cair. E também porque, ao contrário dela, já li e assisti muito sobre o período da ditadura, talvez o suficiente. No fim das contas valeu a pena, é realmente um ótimo filme, com atuações excelentes de todo o elenco, não só dos protagonistas. Que, ao honrar Eunice Paiva, honra milhares de brasileiras que sofreram com os abusos e atrocidades do regime militar. E que tornou ainda mais doloroso o assassinato do Rubens Paiva, depois que o Selton Melo fez dele um cara gente boa demais, daqueles com quem a gente quer jogar conversa fora na praia ou num almoço familiar.
Nem sei se já é natal na Leader Magazine, mas eu já estou maldizendo este ano como há muito não fazia. Em geral eu balanço entre tentar ver o lado bom das coisas ou pensar que poderia ser bem pior - o que é um otimismo fatalista, porém ainda otimismo. Mas já perdi a paciência com 2024, um ano de internações hospitalares, tentativas acadêmicas frustradas e insegurança trabalhista - para citar pouco e descontando a solidão de sempre. Nada garante que a virada do ano vai modificar o panorama, mas o Drummond disse que fatiar o tempo serve pra isso mesmo: pra gente se encher de esperança sem motivo. Então aguardo ansiosa 2025.
Grey’s Anatomy faz parte da minha especialização em Medicina - graduei em E.R.; fiz pós com House. Larguei e voltei várias vezes; hoje é aquela série que sempre estará passando em algum canal e basta parar pra ver meio capítulo que a gente recupera a sensação de familiaridade, mesmo que o elenco seja quase todo novo. Foi assim que assisti a um capítulo qualquer, aleatório, e acabei de volta aos corredores, elevadores e salas de cirurgia do Seatle Grace. E vi que a 19ª temporada foi quase toda dedicada a mostrar o tamanho do estrago causado pela revogação do aborto nos Estados Unidos. Não apenas cassou o direito das mulheres ao procedimento em si, mas, num efeito dominó, afetou a prestação de serviços envolvendo a saúde da mulher como um todo, inflou a atuação dos movimentos anti-aborto, muitas vezes agressivos, precarizou a ação de médicos, que já vinham particularmente fragilizados num momento pós-pandemia. Shonda Rhimes fez um trabalho didático, quase panfletário, mas ainda uma série com todas aquelas coisas que a gente já cansou de ver - romances, dramas e mal-entendidos. Com o pano de fundo dos direitos femininos, oferendo informações, pontos de vistas, enfoques variados. Mostrou, inclusive, um aborto sendo feito. A cena é memorável, acho que nunca vi nada parecido nesses anos todos. Porque tem a dose exata de sensibilidade e informação, não tem drama demais, tão pouco é superficial; não defende nem condena, mostra apenas o que é: um procedimento médico. Shonda continua uma boa contadora de história e uma feminista de mão cheia. (E é inevitável pensar que o mundo só piora ao assistir essa temporada, que é de 22, enquanto o Trump é inacreditavelmente reeleito)
🗣️Fala, Monix👩🏻
A Helê lembrou do tempo fatiado do Drummond, e me caiu a ficha de que essa aproximação do fim do ano talvez explique a sensação de esgotamento que venho sentindo nas últimas semanas. Outro dia o fridinho tava revoltado com o fato de que por motivos comerciais o Natal começa a ser anunciado nos inícios de novembro e por conta disso ele dura 1/6 do ano. Matemática básica. Essa semana lá no escritório tinha uma gerente reclamando, meio em tom de brincadeira mas meio falando sério, porque daqui a duas semanas é a festa da firma e peloamor, ainda temos muita coisa pra entregar.
Eu tinha ficado muito tempo longe da vida corporativa e de repente me dei conta que essa pressão das empresas para entregarmos projetos antes do fim de cada ano é uma maluquice. E esse maluquice provavelmente é a causa principal desse cansaço extremo que venho sentindo ultimamente, inclusive um cansaço mental que justifica minha ausência aqui. Escrever no blogue é algo que faço com muito prazer, mas minha cabeça anda tão focada em assuntos de trabalho que quase não consigo articular pensamentos outros.
Novembro é pra mim um mês ruim, pior que agosto, por conta dessa correria mental. Dezembro pelo menos tem árvore de Natal, musiquinhas e comidas gostosas.