Por que lemos?
Um devaneio que reúne Han Kang, Felipe Neto, a gringa fã de Machado e uma adolescente europeia
🗣️Fala, Monix👩🏻
Ontem foi divulgada a vencedora do prêmio Nobel de Literatura deste ano, a sul-coreana Han Kang. Foi a primeira vez desde 2010, quando Vargas Llosa foi homenageado, que posso dizer que li pelo menos uma obra do/a vencedora/a. E não é pouca coisa: A Vegetariana é uma das coisas mais interessantes que passou pelo meu Kindle ou pela minha estante nos últimos nem sei quantos anos.
Li em algum lugar que hoje o objetivo do Nobel de Literatura não é mais coroar o conjunto da obra de um grande autor, mas sim popularizar nomes que merecem reconhecimento internacional. Faz sentido. Daí que lembrei de uma treta que rolou com - sempre ele - o Felipe Neto na Bienal de São Paulo.
(O influenciador, que ficou conhecido por jogar Minecraft, passou por um processo público de “esquerdização”, o que quer que seja isso, comprando brigas ainda mais públicas, por motivos que vão da defesa de pessoas que foram processadas por criticarem o governo do inominável à distribuição de livros com temática LGBTI+ na Bienal do Livro do Rio de Janeiro em pleno governo Crivella. )
Há coisa de poucos meses ele criou um clube do livro à la Oprah, e em setembro lançou um livro. Por conta de um assunto ou do outro, andou dizendo que acha ruim a forma como a literatura é ensinada nas escolas, empurrando goela abaixo dos adolescentes do século XXI, soterrados por transtornos de atenção e ansiedades várias, obras escritas duzentos anos atrás por homens adultos.
Eu concordo com o Felipe. Confesso que não entendo esse fetiche pelos clássicos da literatura. Não me entendam mal: há coisas geniais, deliciosas, atemporais e que merecem ser lidas. Mas não são boas portas de entrada para criar o hábito de leitura. Ninguém começa a estudar Matemática calculando derivadas e integrais (eu nem sei se isso é de comer ou de passar no cabelo, é só uma tentativa de analogia). Por que então apresentar a literatura brasileira começando pelo nível mais avançado?
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Há uns meses atrás eu estive conversando com uma adolescente, filha de uma brasileira e nascida e criada na Europa. Em seu país, onde se fala uma língua completamente diferente da nossa, ela tem acesso a aulas de Português. E a professora, sabe-se lá por quê, achou uma boa ideia indicar O Cortiço. A menina não conhecia metade das palavras, achou a leitura cansativa e obviamente se desmotivou. (Nem todo mundo é uma Courtney Novak.)
É uma pena.
O livro de Aluísio de Azevedo era moderníssimo quando foi lançado, em 1890. Nos anos 1950, ainda era proibido nas escolas que formavam boas moças de família. Mas convenhamos: a obra não faz sentido para uma jovem dos anos 2020, que nunca morou no Rio de Janeiro (embora visite a cidade de sua mãe todos os anos), não reconhece aqueles lugares, não entende a gramática nem o vocabulário.
A literatura pode (e deve) ser uma janela para conhecermos outras realidades, outras vidas, outras formas de ver o mundo. A boa literatura pode (e deve) causar estranhamento - A Vegetariana é uma prova disso. Mas uma experiência literária prazerosa precisa começar por alguma identificação, algum ponto de contato, algum momento de reconhecimento, que leve ao ponto maravilhoso em que nos transportamos para aquele outro mundo. Quando se perde o leitor antes disso, é apenas uma oportunidade desperdiçada.
O que mais me entristece nessa fábula real de uma menina que só queria ler em Português é que existem muitos livros brasileiros ótimos, escritos no século XXI, que poderiam, talvez, ter ajudado a formar uma leitora entusiasmada. O Som do Rugido da Onça é uma lindeza só. Tudo é rio e Torto Arado são best-sellers e não é à toa. O Crime do Cais do Valongo é fundamental para entender o passado de um ponto de vista atualíssimo. A Casa das Sete Mulheres e Um Defeito de Cor são obras de maior fôlego, mas ainda assim de leitura menos complexa que os clássicos bicentenários.
Todos esses livros foram publicados há menos de 25 anos. Eles têm temas completamente diferentes, se passam em lugares e épocas variadas, nos transportam para mundos que não conhecemos. E essa lista, é importante dizer, é completamente pessoal e pouquíssimo representativa da produção literária do Brasil contemporâneo.
A gente tem muita coisa boa sendo criada por pessoas da nossa época. Seria ótimo parar de olhar para um passado remoto e supostamente melhor. É como diz nosso Buda nagô: o melhor lugar do mundo é aqui e agora.
Concordo tanto com você! Fico triste de ver tantos jovens desmotivados em relação a leitura, perdendo essa oportunidade maravilhosa e acho que essa curadoria de por quais livros iniciar é importantíssima! vou anotar suas dicas de livro pra apresentar daqui a pouco pra meu filho, que hoje tem 11 anos.