🗣️Fala, Monix👩🏻
Proust teve lá as madeleines dele para sair em busca do tempo perdido — pelo menos é o que consta, eu nunca li o livro. Para mim, a viagem no tempo começou com uma pintura na fachada de uma padaria.
Não era uma padaria qualquer. A Rio-Lisboa era lugar de se ir no fim de semana, era tratado como algo especial. Íamos no chevette do meu pai, ou no fusca da minha mãe, até o bairro vizinho do Leblon para comprar queijo, presunto, pães fresquinhos pro lanche de sábado ou domingo.
Parece banal, mas nos anos 70/80 a gente não tinha infâncias recheadas de "experiências" incríveis como a turma que nasceu depois de 2000. Não tínhamos viagens para a Disney, shows do Cirque du Soleil nem brinquedos que não faltam nem falar. Ir a uma padaria com um Pão de Açúcar pintado na fachada e poder escolher um biscoito diferente era sim um passeio e tanto.
A Rio-Lisboa continua no mesmo lugar, e tanto por fora quanto por dentro parece que lá o tempo parou. Esta semana passei por aquela esquina e vi não uma padaria antiga e sobrevivente, mas uma janela para o passado. Não resisti, entrei e comprei queijo e presunto para o lanche.
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Um dia depois, o algoritmo parece que adivinhou o momento nostálgico e me apresentou um post que me levou a um lugar inacreditável: a pequena vila do Cosme Velho onde meus avós moraram desde algum momento lá pelos anos 50/60 até 2001, quando meu avô faleceu.
A casa 10 da vila fica do lado oposto a esse take, por isso não consegui revê-la. Mas as fachadas são todas semelhantes, e o post do Instagram mostra com perfeição o clima do lugar, além de descrever, na legenda, o interior da casa de uma forma tão correta que me jogou de volta ao final dos anos 70, início dos anos 80, quando a família cheia de primos mais ou menos da mesma idade (em um intervalo de uns cinco anos nasceram dez netos e netas, e depois vieram ainda outros) se reunia semanalmente. A casa em si era nosso parque de diversões — uma escada incrível, um sótão misterioso, um “barracão” no fundo do quintal eram os cenários de brincadeiras, correrias, algazarras que deixavam meu avô visivelmente incomodado, mas profundamente conformado, afinal familia ê, família á… é assim que é.
Desde que a casa foi vendida, nunca mais tive a oportunidade de voltar a esse lugar. Há muito tempo a vila foi fechada com um portão e só moradores têm acesso. Mas não há chave que bloqueie a passagem para memórias tão vívidas como os quadros da parede, as pastilhas do chão da cozinha, a porta oscilante (tipo “saloon”), os paralelepípedos do quintal nos fundos, enfim, todos os pequenos detalhes que compõem, como bem disse a Helê, o Instituto do Patrimônio Histórico Emocional, também conhecido como Casa da Avó.
Esse texto deveria aparecer lá no post do instagram. Ia receber muitas curtidas.