🗣️Fala, Helê 👩🏾🦳
Meu amigo Marcelo Bittencourt apresentou um memorial no fim do ano passado, e foi das coisas mais emocionantes que presenciei nos últimos tempos. Aconteceu no meio da confusão de dezembro, esse mês sempre caótico e corrido — mesmo que você trabalhe em home office e escape dos indefectíveis amigo-ocultos, mesmo que a sua família seja pequena e a sua lista de presentes inexistente, não importa, dezembro sempre nos engolfa com um falso sentido de urgência, como se o mundo fosse acabar, e não apenas o ano.
Pois em meio ao caos natalino, o Marcelo me avisou que apresentaria seu memorial e eu confirmei presença (virtual) na hora. Eu nunca havia assistido um, tinha uma vaga ideia do que seria, mas quando meu camarada Marcelo chama, minha tendência é aceitar primeiro, depois ver do que se trata. Amigo querido de longa data — e nesse evento eu vi quão longa! —, meu padrinho (de casamento), parceiro de bar, de Flamengo e de vida, não chama pra furada . Se convidou, tem importância e vale a pena.
Um memorial acadêmico é uma espécie de autobiografia profissional que o candidato em questão precisa redigir e também apresentar a uma banca. Em geral, para obtenção de um título ou mudança de cargo. O sujeito ou a sujeita revisita sua história universitária, dissertação e tese defendidas, além das pesquisas que empreendeu, grupos de trabalho que participou, orientações, tudo de relevante na sua trajetória profissional que o qualifica para o que deseja. Sim, é um evento longo, dura algumas horas, e pode parecer maçante (principalmente para quem não é do meio). Mas o do Marcelo não foi.
Basta dizer que a certa altura, havia mais de 40 pessoas assistindo - um número impensável para reunir na segunda metade de dezembro, final do ano letivo, quando ninguém aguenta mais aulas, nem docentes nem discentes. Havia gente de alguns países e continentes, professores e alunos da graduação à pós, assistindo com prazer ao Marcelo falar com a paixão de sempre sobre África, Angola, MPLA e outras suas especialidades. E foi impactante desde o início até o fim de sua longa apresentação, a maneira como teceu sua narrativa, alinhavando aos conhecimentos científicos sua origem suburbana, os reveses e alegrias da vida privada, a importância dos encontros com pessoas fundamentais. Era uma banca, uma avaliação, mas também a celebração de uma carreira coerente, de alguém que vive o que escreve e acredita no que vive. A reunião de tantas pessoas tão diversas, a narrativa fluida, honesta e sempre que possível, bem-humorada do Marcelo, teoria e práxis se misturando descarada e lindamente, tudo formando um mosaico bonito de admirar. E, levando-o, merecidamente, ao cargo de Professor Titular na Universidade.
Como eu tive a sorte de conhecê-lo ainda no fim da graduação, início do mestrado, no saudoso (Centro de Estudos ) Afro-asiáticos, pude acompanhar de perto essa trajetória brilhante. E, claro, ao ouvi-lo falando do mestrado em São Paulo, da primeira viagem à Angola, do concurso em Pernambuco, paralelamente na minha cabeça passava o filme da minha própria vida. Destravei um baú de lembranças e emoções.
Ele deve ter tido um trabalho miserável para compilar tudo isso, mas fiquei pensando que todo mundo, em qualquer profissão, devia ter a oportunidade de fazer um memorial. Rever sua caminhada, revisitar escolhas, encruzilhadas; reescrever um capítulo mal-diagramado, deixar de lado um parágrafo nada lisonjeiro, destacar um feito pouco reconhecido, olhar para estrada percorrida com coragem, atenção, compaixão. Um exercício trabalhoso, desafiador, mas que pode colocar em perspectiva muitas pontos que o corre da vida não nos deixou ver com clareza. E nos devolve, mesmo que temporaria e ilusoriamente, o comando da narrativa, a autoria da própria história, iluminando também uns coadjuvantes no caminho.
Parabéns, Camarada; sua vitória, nossa alegria!
Que texto lindo! Que precioso deve ser para o Marcelo a sua amizade.
Adorei a ideia de ter a oportunidade de fazer seu próprio memorial. Se você quiser escrever e apresentar o seu, estarei na primeira fila!