🗣️Fala, Helê 👩🏾🦳
Terminou o campeonato brasileiro de futebol masculino - e o fato menos empolgante foi o campeão, Palmeiras. Vão dizer que é inveja de rubro-negro, desdém de carioca - e é um pouco de cada, sim. Mas isso de “cabeça fria e coração quente” deve fazer sentido para paulista - ou para “europeu”, como gosta de se gabar o técnico português lá deles. Desse lado da via Dutra, a gente vive perigosamente e joga com a cabeça quente e o coração quase infartando - de raiva, decepção ou alegria. Às vezes tudo junto.
Meu time não me deu um título, dos mais de meia dúzia que disputou. Passou o ano experimentando técnicos quando tinha um, no fim de 2022, que ia muito bem, obrigado (beijo, Dorival). Perdemos craques pelo caminho (aposentados, vendidos ou desmotivados), e chegamos a Tite, aquele do comportamento execrável na eliminação da seleção na Copa do Mundo, largando o time derrotado em campo. Quer dizer, as perspectivas seriam desanimadoras se o meu time não fosse o Flamengo. Na única vez que fui vê-lo nesta temporada - na estreia da torcida feminina organizada FlaMarize, da qual sou um das fundadoras - o adversário era o Porco, e eu achava que, ok, pelo menos ia ver o menino Endrick jogar. Acabei assistindo um baile no Maracanã, 3x0 arrasador, Gérson Delícia e Arrasca jogando o fino e a gente cantando ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro. Quer dizer: o flamenguista está fadado a ser feliz (só precisa combinar com o russos - que, aliás, estão ocupando a diretoria há tempo demais).
O desempenho decepcionante e errático do meu time me tirou o prazer das grandes emoções. Passei então a acompanhar a temporada como uma observadora, especialmente dos adversários - e não faltou o que observar nesse brasileirão doido, cheio de plot twits, goleadas largas, viradas incríveis e que o Botafogo liderou até anteontem. Passei o campeonato inteiro peguntando como era possível: na primeira metade, o Botafogo ganhar tanto; na segunda, perder tanto e de maneira tão retumbante, com requintes de crueldade. Eles acreditaram que um Tiquinho seria suficiente para ser campeão, a ponto de arriscarem um técnico chamado Lúcio Flávio - quem é da Idade Média como eu não consegue ouvir esse nome sem completar mentalmente com “o passageiro da agonia”. Isso deveria ser um alerta para um time tão supersticioso. A gente debocha porque é disso, mas também porque em algum momento acreditou que o Botafogo poderia ser campeão, e se sentiu um pouco traído também.
Vi o Fluminense ganhar a Liberta num jogo em que eu não torci pra ninguém e sabia que seria feliz de qualquer jeito: no final iria sacanear tricolor ou argentino. E não torcer foi a condição ideal para assistir a um grande jogo, vencido pelo Flu com justiça e pitadas de ironia: o clube mais aristocrático do Rio ganha com o gol de um cria chamado John Kennedy. De quebra, torna famosa uma mini-querida negra, Luzia Isabelly, eternizada pela câmera sagaz e sensível de Álvaro Sant’Anna. Dinizismos à parte, o que ganhou mesmo esse título foi aquela camisa com as cores da Mangueira, todo mundo sabe - como é que os hermanos iam ganhar dos versos do Cartola? Nunca serão!
Por fim, acompanhei a saga do Vasco da Gama - muito mais de perto do que eu gostaria, por motivo de filha vascaína, que decidiu ser praticante justamente neste ano de Barbiere e Praxedes. O primeiro, técnico, era fraco e foi tarde, literalmente. Não sei da qualidade do jogador, mas não podia dar certo um meio de campo com alguém chamado, pelamor, Praxedes - com esse nome, deveria estar no 3º guichê do 7º andar de uma repartição pública. E, muitas vezes, assistir aos jogos foi sofrido como tirar uma certidão negativa. Mas, a despeito disso, a torcida fez da luta para não cair um campeonato à parte. Quando foi (preconceituosamente) impedida de entrar no estádio, evocou sua história de resistência e lotou ruas e ruas do entorno do campo para ver os jogos em telões improvisados. Escapou da degola num jogo emocionante em casa, nos braços da torcida, como ela merecia (especialmente minha filha, claro).
Nas matérias da imprensa ou conversas de bar sobre o campeonato, suas histórias e personagens, vez por outra alguém diz, ou melhor, sentencia: “nunca foi só futebol”. Como se revelasse um significado oculto, como se o futebol sozinho não desse conta dessa quantidade de emoções e pulsões. Bobagem, cabe tudo isso, cabe a vida num jogo de futebol. Elemento fundamental da nossa cultura e sociabilidade - especialmente no Rio de Janeiro - eu acredito que é só futebol mesmo - e tudo que ele nos tira e nos dá.