Direitos adquiridos não são eternos
Uma edição dominical com quatro histórias que mostram por que o feminismo existe
🗣️Fala, Monix👩🏻
Outro dia eu estava conversando com uma amiga. Nós trabalhamos juntas, tempos atrás, e ela tem uns 20 anos a mais que eu — está mais próxima da idade dos meus pais que da minha. Minha amiga tem sempre histórias interessantíssimas pra contar, ela é uma pessoa super dinâmica que vive a vida intensamente. Nesse dia, ela comentou, assim de passagem, que quando era jovem e estava noiva, houve um momento em que ela comunicou aos pais que não pretendia oficializar o casamento.
“Meu pai era advogado e eu lia aquelas leis todas desde pequena”, ela disse. “E eu sabia que uma mulher casada não podia fazer nada se o marido não deixasse”. Pouca gente sabe disso, mas até a década de 1960 (logo ali, se você pensar bem), as mulheres brasileiras que se casassem não podiam abrir conta em banco, trabalhar ou viajar sem a permissão dos maridos.
Fonte: Aos Fatos
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No filme Ainda Estou Aqui, em meio a tantas arbitrariedades chocantes, uma cena me chamou a atenção. Quando volta para casa após ser presa e entender que o marido se tornara um desaparecido político, Eunice Paiva vai ao banco para sacar os recursos que a permitiriam sustentar a família, agora sua responsabilidade. Não consegue: o gerente diz que sem a assinatura do marido, ela não poderia movimentar a conta.
Às vezes a burocracia é, também, uma forma de violência.
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Em entrevista recente à Folha de São Paulo, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, conta um conselho que recebeu da mãe e que provavelmente ajudou a moldar sua trajetória profissional:
"Meus pais se conheceram na Esso, onde trabalhavam. Tinham dois anos de casados quando eu nasci e, na sequência, minha mãe ficou grávida da minha irmã. Meu pai entendeu que já estava na hora de ela parar de trabalhar, se dirigiu ao RH da Esso e suspendeu a autorização para ela trabalhar, sem falar com ela. Mulher no Brasil só passou a trabalhar sem autorização do pai ou do marido em 1962. Então, eu cresci com a minha mãe me dizendo: entre perder o emprego e perder o marido, perca o marido. Isso é uma mensagem subliminar fortíssima."
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Acabei de ler Caderno Proibido, da autoria ítalo-cubana Alba de Céspedes. É um livro lindo e intenso, narrado em primeira pessoa por Valeria, uma dona de casa que na Itália patriarcal do pós-guerra começa a colocar em xeque todo o seu sistema de crenças apenas pelo fato de estar escrevendo um diário.
A protagonista poderia ser a minha avó (na verdade ela é só um pouco mais velha).
É impressionante e assustador como apenas três gerações nos separam do mundo de Valeria. Se bem que aí a pessoa lembra que tem gente ganhando engajamento em rede social porque prega submissão ao marido. Depois lembra que não, não somos belas, recatadas e do lar como certas primeiras damas louvadas pela imprensa (não faz tanto tempo assim).
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Não podemos nos esquecer que conquistar direitos é difícil, é resultado de muitas lutas, de muitas pessoas que vieram antes de nós. E, principalmente, não podemos perder de vista que mantê-los é um trabalho permanente.
que post excelente, Monix. é isso: direitos das mulheres adquiridos com muita luta e sempre na corda bamba.