Anomia, apatia, anestesia
Imagine perder ANOS da sua vida dentro de um transporte público. É o que acontece com a gente humilde na cidade maravilhosa todos os dias.
🗣️Fala, Helê 👩🏾🦳
O RJTV 2ª edição fez uma série de reportagens sobre os trens no Rio de Janeiro, com o Chico Regueira e uma equipe de repórteres acompanhando trabalhadores que precisam utilizar a linha férrea para trabalhar cotidianamente. Material de primeira qualidade jornalística, produção impecável, aquela reportagem que coloca o telespectador no local, muito próximo da dor das pessoas. Para quantificar a situação imoral a qual é submetida parcela significativa - e a mais carente - da população fluminense, calcularam quantos anos - sim, anos - algum dos personagens da matéria passaram/perderam no trem. Papo de 4, 7, 10 anos de vida passados dentro do trem, no deslocamento de casa/trabalho/casa. Uma mulher, moradora da Baixada, que trabalha no Grajaú e matriculou o filho no bairro do trabalho, para poder estar com ele pelo menos nas duas horas e meia de ida e de volta. De cortar o coração e espumar de ódio, nada menos que isso.
Mas passou. A série foi exibida, se não me engano, na primeira semana de setembro e, salvo engano meu, não teve maiores repercussões. Nem consegui encontrar no site da Globo usando as palavras-chave mais óbvias. Um material muito bem feito, capaz até de ganhar algum prêmio de jornalismo, mas que não foi capaz de provocar comoção proporcional à vergonha que expôs. Imagino que são muitos os fatores que explicam isso, mas eu me preocupo com a apatia, a anestesia generalizada entre nós, cariocas e fluminenses, como se nada mais nos horrorizasse, indignasse, movesse.
Eu não consegui ver a série toda porque me gerava uma revolta imensa, uma inquietação, me fazia mal. Mas até onde vi, só acho que faltou escancarar a situação da Supervia, responsável pelos trens, e a total inversão de valores que grassa nessa cidade e neste estado, em que as empresas que têm uma concessão pública atuam como se nos prestassem um favor.
🏞 O excelente Rio de Memórias , podcast saboroso sobre a história da cidade do Rio, tem uma temporada inteira sobre as revoltas cariocas, o Rio de Conflitos. São episódios traumáticos, violentos, mas eu confesso que terminei de ouvir pensando onde foi parar a nossa necessária capacidade de se insurgir.
👴👵Como viver até os 100, da Netflix, é uma série curta e objetiva sobre as Zonas Azuis, locais no mundo que reúnem grande número de centenários. Há locais na Grécia e na Itália em que parece mais fácil, é verdade, mas também um vilarejo pobre na Costa Rica. O pesquisador busca o que há de comum entre elas, o que pode ser replicado em diferentes escalas. Spoiler: em nenhuma delas se perde horas no transporte público. Mas sempre é possível extrair uma ou outra coisa para viver um pouco melhor.