🗣️ Fala, Helê 👩🏾🦳
Corria o Jornal Nacional e eu olhava sem prestar muita atenção, como de hábito. Era pra ser uma matéria sisuda sobre a posse do novo presidente do STF, Luis Roberto Barroso (tá, talvez alguma emoção escapasse, já também se tratava de uma despedida, a de dona Rosa Weber). Mas aí aparece Maria Bethânia cantando o Hino Nacional, conquistando toda minha undivided attention. A locução diz que foi uma escolha do Barroso, que pediu ainda que ela cantasse, ao final da cerimônia no plenário do Supremo, a colossal “Todo Sentimento” (de Chico Buarque e Cristóvão Bastos), “fazendo uma homenagem que todos haverão de entender”. Ele se referia a Teresa, sua esposa, falecida em janeiro, depois de longa batalha contra o câncer - fato que fiquei sabendo naquele momento, comovida com a Yabá Bethânia e com a dolorida declaração de amor de um ministro da suprema corte brasileira.
(Após a cerimônia formal, houve ainda um jantar com show do Diogo Nogueira, que fez dueto com Barrosão em “Aquarela do Brasil”, do Martinho da Vila, cena que só aumentou minha simpatia pelo ministro).
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Aí agora à noite, a televisão estava novamente sintonizada no JN, mais por inércia do que por interesse real. A notícia do dia, que será certamente a da semana, talvez do mês, é a execução de três médicos na orla carioca - um horror em si e também pelo que diz de nós: a comoção da imprensa e a rapidez da atuação das forças de segurança quando as vítimas são homens brancos com profissão de prestígio compõem um escândalo à parte.
Depois de esquadrinhar os detalhes do crime, hipóteses, reações e notas oficiais, o noticiário começa a dar conta de outros acontecimentos, até que anunciam a eleição do Ailton Krenak pra Academia Brasileira de Letras. Ôpa, péra, como é que é? Comento com a minha filha: depois da Fernandona, do Gil e da Helô Buarque, a ABL tá ficando um lugar cada vez mais legal de frequentar. Para conter meu entusiasmo, aparece na tela o Merval Pereira (diz minha filha: “antes de acertar, a gente erra muito”).
Segue uma boa matéria sobre a trajetória do Krenak, primeiro indígena na Casa de Machado: sua atuação desde a ditadura, no congresso, a oralidade como principal forma de expressão, o retorno à aldeia Krenak, a deferência entendida como um reconhecimento coletivo, antes aos povos originários que a ele, apenas - típico e disruptivo pensar indígena, que privilegia o nós frente ao eu. Krenak já é imortal sem que precise da chancela dos brancos da Academia. Mas avança a Academia e também nós, como sociedade, ao reconhecer sua sabedoria e importância. Deixou um sorriso no meu rosto essa notícia, e por alguns instantes, ao final da matéria, acreditei que dá pra “adiar o fim do mundo”*.
* Parafraseando o livro do Krenak, “Ideias para adiar o fim do mundo”, e a canção do Vítor - se você não conhece um ou ambos, deveria.
🗣️ Fala, Monix 👩🏻
Adiar o fim do mundo, nesse sentido que a Helê sugere, será uma ação feita de pequenas delicadezas. E às vezes a gente só precisa olhar com atenção pra perceber que elas existem, e não estão só no STF, na ABL, no JN ou em outra sigla importante dessas que tem por aí.
Outro dia mesmo encontrei por acaso uma pessoa que trabalhou comigo 25 anos atrás. Ela ficou tão feliz em me ver, fez tanta festa, que mesmo que não seja sincero alegrou meu dia. Custa pouco fazer o outro feliz.
Na época nem éramos amigas ou particularmente próximas. Ela tinha um temperamento, digamos, intenso, e eu era muito nova na profissão, muito tímida e tentava me manter fora das tretas do pessoal mais experiente da redação (a gente trabalhava em um veículo jornalístico).
É curioso como o tempo embaça as picuinhas do dia a dia e deixa vivos só os afetos mesmo. A maturidade tem me trazido uma vontade de olhar menos para os problemas transitórios e mais para o que realmente importa, o que irá durar até o fim.
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Ah, que delícia ler isso, Mariane! Beijoca pra você!
Sou fanzoca das Fridas!