Subo nesse palco
Michelle Obama e Fernanda Montenegro captaram minha atenção, coração e mente
🗣️Fala, Helê 👩🏾🦳
Acho que a notícia repercutiu menos do que deveria: Fernanda Montenegro fez um espetáculo em um parque em São Paulo e arrastou um mundaréu de gente pra ouvir Simone de Beauvoir. Os números podem ajudar a dar a dimensão do acontecimento: essa adorável e adorada senhora de 94 anos, a Fernandona, fez uma apresentação gratuita para uma plateia de 15 mil pessoas, num domingo à noite, no Ibirapuera, interpretando o texto de uma feminista francesa, das mais importantes intelectuais do século 20. Fiquei comovida com esse acontecimento, tanta gente reunida para ouvir uma anciã falando ideias e conceitos de outra mulher, numa noite de lua cheia; a força do teatro mais viva que nunca, a capacidade de mobilização dessa atriz fantástica, e a disposição do público, ávido de beleza e conhecimento. Às vezes somos melhores do que pensamos.
Outra mulher que chamou minha atenção essa semana foi Michele Obama, cujo discurso na convenção do partido democrata talvez tenha sido mais impactante do que o de seu marido, o 44º presidente americano. Eu sempre me interessei pelos Obama pelo impacto imagético e simbólico deles para os pretos do mundo. Escrevi algumas vezes sobre isso, entendo que eles são americanos como muitos - imperialistas, protecionistas, megalômanos etc. - mas brilhantes como poucos, hábeis no manejo de suas imagens, reputações e, vá lá, narrativas. São extremamente eficientes em comunicar, e em que pesem terem um staff super profissional, têm algo difícil de cultivar: um enorme carisma.
Michelle foi longamente ovacionada ao subir ao palco, e precisou esperar vários minutos antes de poder começar a falar. E hablou. O discurso todo é uma peça de comunicação excepcionalmente bem-escrita, no qual ela cita a mãe, falecida há pouco, sem soar oportunista. Muito pelo contrário: faz o link com a ancestralidade para conectar-se com os pretos e com Harris - que ela chama de ‘my girl Kamala’, cuja candidatura afirma ser um tributo to her mother, to my mother, and to your mother too.
Em outro trecho memorável, Michelle diz que Kamala “entende que a maioria de nós nunca terá a graça de fracassar. Nunca nos beneficiaremos da ação afirmativa da riqueza geracional”. Se fosse um golpe de boxe, a sentença teria acertado Donald bem no meio da cara, no centro de seu privilégio de homem branco (alaranjado). E há uma sutileza (ou seria esperteza?) nesse e em outros momentos em que Obama usa o nós, que pode ser tanto os afro-estadunidenses quanto os trabalhadores, ou os mais pobres ou quem quer que se reconhecer no pronome e na situação.
Em outro ponto, Michelle desautoriza Trump a ter o monopólio do que é ser an american. Mas o nocaute veio mesmo após uma sequência de jabs: depois de explicitar que “sua visão limitada e estreita do mundo fez com que ele se sentisse ameaçado pela existência de duas pessoas trabalhadoras, altamente educadas e bem-sucedidas, que por acaso eram negras”, Michelle pergunta com ironia ferina:
“Wait, I want to know: Who’s going to tell him that the job he’s currently seeking might just be one of those “Black jobs”? “
(Em mais de uma ocasião durante a campanha, Trump defendeu a repressão à imigração afirmando que os imigrantes vão roubar ‘black’ e ‘hispanic jobs’.)
No entanto, um discurso bem-feito e milimetricamente construído para atacar sem perder a compostura, sem descer ao nível do adversário, para, ao mesmo tempo, fortalecer e ampliar alianças, precisa de um mensageiro à altura - e Michelle Obama entregou tudo (como se diz nesses tempos de delivery). Com graça, elegância, simpatia, contundência, seriedade e um imensa trança num rabo de cavalo que chegava até a cintura. Esse não foi um detalhe que passou despercebido: busque ‘Michelle braids’ e você verá que a imprensa estadunidense o considerou uma mensagem muito clara.
No artigo “Michelle Obama's Braids Send a Message Everyone Needs to Hear”, Ariel Baker denuncia o peso da discriminação capaz de fazer Michelle Obama, uma pessoa inegavelmente poderosa, enfrentar a mesma pressão de qualquer mulher negra trabalhadora no mundo. Como pontuou a Vogue, “It should be noted that Obama choosing to wear her hair braided is a statement all its own. For Black women, hair is never simply just hair—and at this moment, it is something to be celebrated.” The Zoe Report lembra que “a capacidade de combinar proezas políticas com grande conhecimento de indumentária é apenas uma das muitas razões para amá-la”. E a She knows aponta que é de uma eleição que se trata:
“Afinal, se o país quer eleger a sua primeira mulher negra para liderar a Casa Branca, não deveríamos ser surpreendidos por algumas tranças, deveríamos defendê-las!”
“a capacidade de combinar proezas políticas com grande conhecimento de indumentária é apenas uma das muitas razões para amá-la”
Esta semana ouvi algumas coisas sobre moda e é muito bom ouvir quem sabe da importância.
♥️aqui e lá. Mulheres incríveis.