Só a música tira a tristeza das pessoas
Emicida, nossas músicas "oficiais' e Zeca Pagodinho segunda à noite lá em casa.
🗣️Fala, Helê 👩🏾🦳
C. me disse que esperava ver aqui minhas impressões sobre o show do Emicida, mas não fui capaz de escrever sobre “A gira final” logo após o show, que foi um misto de culto, reunião de família, comício, catarse coletiva, aconchego e acolhida. Foi emoção pura desde o início, com a participação do Miguelzinho do cavaco, estrelinha da internet que Emicida dá força pra vingar além do viral. Depois, uma menção a Cartola (Corra e olha o céu) e “Carinhoso” tocado na flauta foi como pedir benção ao samba e licença ao Rio, culminando com “Quem tem um amigo, tem tudo”. Porque o rap sabe da fonte que bebe, e que é preciso chegar saudando quem veio antes. Tudo isso só nos primeiros 20 minutos de show.
Foi uma satisfação imensa cantar junto com um bandigente as canções que eu aprendi sozinha, ouvindo na barca Rio-Niteroi, no agora distante ano de 2019; músicas que me ajudaram a sobreviver ao pandemônio e à pandemia. Que prazer estar em uma plateia mega diversa, com muita gente preta, LGBTQIAP+, all sizes, geral sem medo de ser, reflexo direto de tudo que Emicida canta e defende. E ele enaltece o tempo todo o coletivo: mesmo sem fazer parte de uma banda, ele tá sempre exaltando os parças, os músicos, as influências, os convidados; sempre o nóix — que é tudo o que temos, afinal. E porque, como ele diz com precisão cirúrgica em outra canção: “Se você vencer sozinho, a vitória é do sistema”. Anticapital e decolonial até a raiz dos cabelos. Um show inesquecível - dos que vale a pena ir até a Barra para ver.
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Foi vendo o Emicida que me ocorreu que “Carinhoso” tinha que ser nosso hino nacional. Se eu fosse dona do Brasil, assinava esse decreto. “Andar com fé” passaria a ser nossa oração ecumênica oficial, valendo mesmo a quem não tem fé - pelo sim, pelo não. E “Reconvexo” seria uma espécie de passaporte, nossa identidade no mundo. Quando perguntados, responderíamos “Eu sou a chuva que lança a areia do Saara/sobre os automóveis de Roma”: pronto, brasileiro. Aproveitando meu poder, faria o Bira Presidente, do Cacique de Ramos, assumir o cargo para o qual está destinado - deixaria o Zeca Pagodinho de vice, pra ele não se cansar muito…
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Aliás, falando nele…Zeca foi responsável pela melhor live dos últimos tempos, disparado a melhor ação de apoio ao Rio Grande de Sul. Pelo menos pra mim: me fez fazer um pix em plena vigência do Fim do Mês, historicamente um período de penúria e pindaíba. Foi minha filha quem me lembrou de ligar a tv, e quase não acreditei quando dei de cara com Gilberto Gil, Jorges - Ben e Aragão, Alcione, Teresa Cristina, Xande de Pilares, Pretinho da Serrinha e Diogo Nogueira, além do anfitrião Zeca. Só brabo. A fina flor. Em plena segunda-feira, juntos. Formando uma Santa Ceia profana, no melhor clima mesa de bar, cantando sem ensaio, com roteiro mínimo, volta e meia uma criança passava correndo pela sala, um gatinho era visto sendo afofado por um convidado. Foi emocionante demais aquela mesa negra, generosa e talentosa, cantando e (se) divertindo, reeditando essa vocação própria do samba, de unir em tempos difíceis e em torno de boas causas, sabendo que cantando a gente manda a tristeza embora (amém).
🗣️Fala, Monix👩🏻
Dez anos atrás minha mãe deixou este mundo. Mas ela deixou marcas tão profundas na vida de tanta gente que parece que foi ontem. Esse moço que está brindando comigo na foto é o famoso "meu neeeto" de quem ela tanto falava, pra tanta gente, com tanto orgulho. Ele conviveu intensamente com essa avó durante 12 anos, aprendeu tanto, e hoje me disse que adoraria poder conversar com ela sobre os problemas que enfrenta na faculdade, na pesquisa, na vida... Ele tem a certeza que ela entenderia. (Entenderia mesmo, porque ela entendia tudo.)
Na última visita que fiz a ela no hospital, dez anos atrás, minha mãe me disse: estou chateada por ter que voltar pra cá logo esta semana... Hoje é dia de nhoque e eu ia chamar vocês lá pra casa... E eu disse a ela que não tinha problema, que no próximo mês a gente marcava esse nhoque. Não deu. Mas desde então eu sinto que tenho um compromisso com ela no dia 29 de cada mês. Só em ultimíssimo caso é que não rola o tal nhoque da fortuna. Hoje foi uma confusão danada, um desencontro, mas no final estávamos lá, eu e o neeeto dela, brindando a essa pessoa incrível que foi Maria Inês. Um beijo, mãe, e obrigada por tudo.