🗣️Fala, Monix👩🏻
Nos idos de antigamente, eu e Helê fazíamos parte de uma comunidade de leitoras e comentadoras de um blog chamado Mothern (Mother+Modern) que reuniu uma turma sensacional (modéstia à parte), rendeu livro, virou série e deixou saudade, embora tenha durado o tempo que devia durar mesmo. Pois bem, eu lembro que no tempo do Mothern uma das autoras falava sobre o fenômeno da TPF, ou tensão pré-ferias, aquele momento em que a gente precisa trabalhar em dobro para não deixar nenhum ponta solta durante nossa ausência ao mesmo tempo em que preparamos tudo para que a casa continue funcionando e tomamos todas as providências necessárias para conseguir desligar do mundo por um período que nunca é suficiente… enfim, uma canseira danada a pretexto de conseguir alguns dias de descanso.
Faz nove anos que não tiro férias de verdade, férias mesmo. É que quando fiz a opção de sair do mundo corporativo, escolhi uma vida mais básica e mais flexível, mas essa flexibilidade tem mão dupla: quem tem quatro ou cinco clientes de cada vez não consegue combinar com todos eles que vai passar 15 dias sem atender nenhuma demanda. Até porque, não trabalhar significa não receber, então de onde sairia o dinheiro para bancar a desejada viagem? Foram anos em que às vezes eu tinha pouco trabalho e até conseguia decansar, mas não dava pra relaxar — eram justamente esses momentos em que eu mais me preocupava, precisava sair em busca de novos trabalhos, etc. Fiz viagens, sim, todas curtas e para perto, sempre levando o notebook para trabalhar quando precisasse.
No último ano, mudei de novo meu esquema de trabalho e agora atendo um cliente fixo, sem vículo direto, mas com a possibilidade contratual de tirar alguns dias de ausência (não remunerada, mas aí já seria querer demais). Vão ser dez dias de inacreditáveis FÉ-RI-AS, coisa que eu já nem achava mais que teria nessa vida. Nas últimas semanas estou em plena TPF, alternando momentos de correria com a ansiedade (boa) no último grau.
O curioso dessa história toda é que há quase uma década eu venho alternando períodos de marasmo com outros em que precisava de um dia com 12 horas a mais para dar conta de tudo, mas na última semana antes de viajar parece que só agora meu cérebro resolveu avisar meu corpo que é hora de ficar cansada. Ainda bem que amanhã é meu último dia de trabalho e depois, não sei se cheguei a comentar com você… eu entro de fériassss :)
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No início deste ano assisti na Max (antiga HBO Max) uma série de produção nacional chamada Línguas da Nossa Língua. É uma viagem interessantíssima sobre nossa última flor do Lácio e eu recomendo demais, mas o que quero comentar é que em alguns episódios são exibidos trechos do espetáculo conduzido por Gregório Duvivier e o genial humorista português Ricardo Araújo Pereira. Daí que, como esses sensacionais dias de férias (eu já te disse que vou tirar férias?) serão aproveitados em Portugal, e como por coincidência (ou não) o Spotify me recomendou, estou escutando um podcast que tem o sugestivo nome de Coisa Que Não Edifica Nem Destrói. Eu até poderia tentar explicar do que se trata, mas deixo vocês com a descrição que está na própria plataforma:
Experiência social em que Ricardo Araújo Pereira fala sozinho durante bastante tempo sobre assuntos que o entusiasmam muito mas talvez não interessem a mais ninguém. Às vezes, aborrece convidados. Objectivo é obter o maior número possível de ouvintes, como quando aquele ovo era a fotografia com mais likes do Instagram.
O RAP é um sujeito engraçado, claro, mas acima de tudo muito culto, e transita com uma naturalidade invejável por referências e citações que vão de Machado de Assis a The Office, passando por Marvin Hamlisch e Caetano Veloso.
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Quando meu pai era jovem, lá pelos seus 17 ou 18 anos, a família mudou-se para Portugal e lá ele viveu dois anos com meus avós e tios (eram muitos). Parece que foi uma experiência que marcou a vida dele, porque até hoje ele conta os causos de quando esteve por lá. Durante parte da minha infância, aos sábados escutávamos em casa uma fita K7 com poemas de Fernando Pessoa recitados por um conterrâneo. Talvez por isso me seja tão fácil entender a pronúncia do português falado além-mar. Certamente a convivência com os sogros imigrantes ajudou. Fato é que escutar o podcast do RAP não me traz dificuldade nenhuma, o que talvez não seja tão simples para quem não tem familiaridade com a prosódia lusa. Mas se este não for, para você, um obstáculo instransponível, dá uma chance. É das melhores coisas que tenho escutado nos últimos tempos.