20 anos de Duas Fridas
Nosso lema continua sendo "antes tarde que mais tarde", principalmente quando se trata de comemorar
Já fomos muito festeiras, nosotras. Nos tempos idos do início do blogue, todo ano, no aniversário, tinha festinha, chope, encontro reunindo a nata da blogosfera da nossa bolha, etc. E de vez em quando inventávamos umas coisas diferentes para comemorar. Como no aniversário de seis anos, em 2010, em que decidimos nos entrevistar uma à outra.
Pois este ano aconteceu algo inédito: nós duas deixamos passar a data de aniversário do Duas Fridas! O dia 27 de maio foi completamente ignorado. Será por que foi a primeira vez que passamos por essa data aqui nesse novo formato, que ainda é blogue mas ao mesmo tempo já virou outra coisa? Ou talvez a gente possa por a culpa na pandemia, embora seja 2024 e essa desculpa já tenha caducado?
Não sabemos.
Mas um dos nossos lemas, você sabe, é que antes tarde que mais tarde ainda, e enquanto tá no signo dá pra comemorar. Então pra compensar essa falha grave das mães de um “filho” geminiano e tão comunicativo como o Dufas, decidimos atualizar aquelas seis perguntas que fizemos uma para a outra lá em 2010. Afinal, tanto tempo passou, tanta coisa mudou, que nós mesmas ficamos curiosas pra ver como sairia essa nova versão de um enredo antigo. Para começo de conversa, relendo as duas “entrevistas” percebemos que, sem termos combinado antes, fizemos perguntas muito parecidas uma para a outra (e vice-versa). Se tiver curiosidade, as respostas originais da Helê estão aqui e as da Monix estão aqui.
Agora senta que lá vem história.
Seis perguntas para Helê
Monix - Quando fiz o convite para criarmos juntas um blogue, você relutou um pouco antes de aceitar. Lembro que você alegava que não queria assumir um compromisso que não tinha certeza de conseguir manter depois, e eu argumentei que a ideia não era criar mais uma obrigação e sim explorar a possibilidade de escrever em um espaço mais livre, mais criativo. Pouco tempo depois você aceitou e o resto é história. ;-) O que te fez mudar de ideia?
Mudei de ideia porque você me seduziu 😏com essa perspectiva de “escrever em um espaço mais livre, mais criativo”. Foi como se você percebesse em mim necessidade que eu não havia me dado conta que tinha. Além disso, ser convidada a escrever com você, que eu já admirava pela inteligência e fluência, me soou como em elogio – e librianos não resistem a elogios.
Tá vendo esses sorrisos? Esse foi o dia que que Una aceitou o convite de La Otra e assim selou-se o destino do Dufas :)
Monix- O que você acha que mudou no seu estilo de blogar, dos primeiros posts até hoje? Você tem feito a migração dos nossos arquivos, e com isso certamente releu muito material antigo. Você identifica alguma diferença em relação ao que produz hoje em dia?
Essa pergunta fazia referência à mudança do Blogger para o Wordpress; hoje já estamos em outra plataforma, o Substack, para onde viemos sem bagagem. Não houve migração de posts antigos para cá, já que eles continuam lá na casinha antiga. Então essa análise é mais difícil. Tem as mudanças próprias da inescapável passagem do tempo, por exemplo, nas temáticas. Falamos menos hoje sobre a aventura materna, e mais sobre etarismo, por exemplo. Mas apesar das mudanças da internet, das plataformas, de todo o entorno, acho que escrevo cada vez mais livre do que dita esse mesmo entorno. Às vezes os textos são mais longos do que o indicado, ou mais curtos que o esperado, mas cada vez mais de acordo com o meu desejo. Porque já vi que tudo ou quase tudo passa (Tumblr, Snapchat, lembra?) e o que eu digo acaba sempre encontrando um destino próprio – mesmo que às vezes eu não saiba.
Monix – Todo mundo que tem blogue sabe que uma das coisas mais interessantes dessa experiência é o intercâmbio com os leitores e a possibilidade de conhecer pessoas bacanas, criar uma rede de relações nova, interagir com outros blogueiros. Como tem sido essa vivência para você?
É a segunda razão que me faz escrever. Além da vontade de me expressar e distribuir opiniões não-solicitadas, escrevo para encontrar, fazer pessoas e influenciar amigos (êpa). Tenho uma satisfação enorme quando alguém deixa um comentário, manda um e-mail, ou quando, numa conversa, faz uma referência: “Igual daquele post que você falou da chuva...” Nossa, eu disfarço, mas dá uma alegria danada. Infelizmente, vivemos tempos menos propensos a reunir pessoas: pense que, no primeiro aniversário do blogue, de dois anos, anunciamos local, data e hora e as pessoas apareceram. Muitos já conhecidos, mas também outros que conhecemos ali, numa Cachaçaria na Lapa. Por uma série de razões, hoje em dia até reunir os amigos é mais difícil; parecia impossível, mas parece que o tempo danou a correr ainda mais rápido. Mas sigo apostando no encontro; quando achar que ele não é mais possível, talvez eu pare de “blogar”.
Monix – Ter um blogue mudou alguma coisa na sua vida prática? Por exemplo: escrever sobre as corridas te fez uma corredora melhor, mais disciplinada, ou não interferiu?
Ter um blogue mudou a minha vida de maneiras que eu nem dou conta de dizer. Mas sobretudo pelas pessoas que encontrei pelo caminho. Todas foram importantes, tanto aquelas com as quais só esbarrei quanto aquelas que trouxe pra perto de mim. Também tem clara interferência na minha saúde mental, porque escrever tem efeitos terapêuticos insondáveis: às vezes você escreve sobre algo que parece muito distante de você, mas que no fundo está lidando com questões mais íntimas do que podia supor – feito uma sessão.
Monix – Você imaginava que o Duas Fridas duraria tanto tempo? O que será que nos reserva o futuro?
Não fazia a menor ideia. Nem você, né? Preciso responder essa com esse texto seu, de quando completamos 10 anos: “Não sei se duraremos mais dez anos – acho ousado pensar em tanto tempo numa época de iniciativas tão efêmeras. Mas se já viramos uma década, nada nos impede de completar a segunda.” Ou a terceira! Tô bem nessa vibe aí, nada nos impede, e há uma magia insondável que nos mantém ativas e unidas. Já pensei em alguns momentos, nesses 20 anos, que iríamos parar, mas sempre acabamos nos reencontrando de algum modo – o Substack, por exemplo, me parece mais uma das nossas encarnações, literalmente a volta das que não foram.
Monix – Por fim, para você que é o braço musical do Dufas: qual é a trilha sonora deste blogue?
Eita! A primeira trilha se mantém toda, e dela eu lembro sem fazer esforço da Elza cantando “Volta por cima” com um grupo de rap francês, que é muito a nossa cara. Nesse volume 2 entra o Rod Stewart em homenagem a nossa ida histórica ida ao Rock in Rio; “Dancing Queen”, para lembrar o histórico encontro nacional das motherns (!); Emicida e seu “Amarelo”, que nos embalou a todos no período das trevas bolsonarianas e da pandemia. E, claro, nosso Buda Nagô, Gilberto Gil, que sempre nos guiou, ensinou, acudiu e embalou.
Seis perguntas para Monix
Helê – Os anos de blogosfera não contam da mesma forma que dos outros veículos – mais ou menos como os anos de vida de cachorros e humanos. Nessa conta, seis anos são uma estrada considerável. Você esperava tamanha longevidade?
Menina, em 2004 eu não conseguia nem imaginar o que seria minha vida vinte anos depois, muito menos sonhar que ainda estaríamos juntas nessa aventura. Em 2024, ter um blogue é uma coisa meio vintage, né? Nessa era de influenciadores e streamers, ser “blogueirinha” ganhou outro significado. E a gente nunca teve vontade de entrar nas sucessivas ondas de monetização: os primeiros posts pagos, depois publis, depois conteúdo de marca, essas coisas todas que vieram e se foram. Não é que a gente não goste de ganhar dinheiro, né? Hahaha! Como você mesma diz, “não nos peçam de graça a única coisa que temos para vender” - no caso, nossos textos. Mas o blogue desde o início era um espaço despretensioso, e profissionalizar seria o oposto do que a gente buscou quando se jogou nessa ideia que se mostrou muito mais longeva do que poderíamos esperar.
Ah, só pra encerrar esse ponto, acho que um dos segredos da vida longa foi que embora a gente mantenha um jeitão de blogue mesmo, blogue raiz, ainda com aquela cara de quando tudo isso aqui era mato, ao mesmo tempo fomos explorando outras formas de dar nossas opiniões não solicitadas… inventamos uma newsletter pra reciclar conteúdo quando não tínhamos disposição para criar coisas novas na velocidade que as redes sociais exigiam (aliás, entramos em todas elas e não ficamos de verdade em nenhuma, o que deve significar alguma coisa mas eu não sei bem o quê)... depois arriscamos uns episódios de podcast, até que decidimos migrar pra esse formato meio híbrido, que ao mesmo tempo volta a ser um blogue como os de antigamente, com espaço de comentários e tudo, mas é também uma rede social, porque no aplicativo do Substack dá pra repostar trechos de posts, e também newsletter, porque chega direto no e-mail de quem preferir assim. Ou seja, como diria Darwim, não é o mais forte que sobrevive, mas aquele que melhor se adapta ao ambiente 🙂
Helê – O que mudou na blogosfera de 2004 pra cá? E na sua escrita, você percebe diferenças?
Bem, blogosfera nem existe em 2024, né? 😀
Em 2004, o mais próximo de uma rede social era o Orkut, que tinha uma interface ainda muito limitada para interações entre os usuários. Facebook e YouTube chegaram no Brasil em 2007, então, quando respondi essa pergunta pela primeira vez, as duas plataformas eram a principal mudança desde o início do blogue. De lá pra cá, a forma como usamos as redes mudou completamente, e isso com certeza afetou a forma como escrevemos (e lemos). Por exemplo, antes do Twitter a gente também usava o blogue pra postar textos curtinhos, pequenas observações sobre o cotidiano, e tínhamos uma proposta de publicar com muito mais frequência (nem sempre conseguíamos).
Aos poucos fomos migrando esses pequenos textículos pra outros lugares, tipo os grupos de WhatsApp, e com isso os textos do blogue foram ficando maiores, mais complexos, mais difíceis de escrever e, por isso mesmo, mais escassos.
Quando pensamos pela primeira vez em usar o formato de newsletter, a ideia era criar a obrigação do deadline, o que pra duas jornalistas funciona muito bem: tínhamos o compromisso de escrever alguma coisa uma vez por semana. Hoje, tem vezes que fico pensando que já falei tudo que tinha pra falar. Aí do nada vem uma ideia e começa tudo de novo.
Helê – Você volta aos posts antigos, se lê? Se sim, o que acha: gosta, se orgulha, se envergonha, surpreende-se?
Às vezes acontece alguma situação que me faz lembrar de algo que já escrevi e dou uma procurada - em geral opiniões não solicitadas sobre a “sociedade”, seja lá o que isso signifique. Durante muito tempo, eu lia e sentia que minhas opiniões continuavam as mesmas. Mas recentemente não tem sido mais assim. Nos últimos anos muita coisa mudou na minha forma de ver o mundo, especialmente em relação a questões identitárias. Depois do #MeToo, do Black Lives Matter, da Pablo, da Djamila, da Chimamanda, acho que não teria como ser diferente. O que me incomoda mesmo é ver gente da nossa geração se apegando com tanta força a velhos conceitos, isso sim dá vergonha (alheia). Ou seja, de certa forma me orgulho por ter vergonha de coisas que escrevi vinte anos atrás. Se eu continuasse pensando igualzinho ao que eu pensava no início do século, peloamor da santa, né?
Helê – Cite 3 posts seus favoritos e justifique (hoho, igual prova!). Cite 3 meus. (De preferência os primeiros que vêm à mente, mas pode roubar, claro, eu não vou saber!).
Lá vem ela com os rankings 😀
Dos meus, não posso deixar de citar a campanha Namore uma Mãe Solteira, porque não dá pra esquecer a expressão no rosto daquele que viria a ser meu companheiro nos últimos 18 anos quando ele ouviu falar nisso pela primeira vez… então esse talvez tenha sido um post que mudou completamente o rumo da minha vida. Na política são muitos, mas o primeiro que me vem à cabeça é este que escrevi quando Trump foi derrotado. Infelizmente aquele fio de otimismo hoje se dissolveu e ando bem menos esperançosa, mas isso é outra história. O legal desse post é que ele tem links pra dois outros que também gosto muito, e isso me lembrou desse terceiro, de 2016 (!), em que falo da “nossa turma”. Nos tempos que correm, é o que temos de mais importante.
Dos seus, gosto daquele em que você fala do seu carnaval inesquecível, e não, não é sobre blocos de rua, seu habitat natural. Também curto muito o post sobre a casa da sua vó, porque ali você faz com maestria algo muito característico do seu jeito de escrever, que é pegar uma coisa absolutamente prosaica e criar uma filosofia profunda em torno dela. Mais recentemente, você simplesmente arrasou com esse texto sobre dois ídolos que, eu espero do fundo do meu coração, serão, cada vez mais, faróis iluminando a cabeça de trevas dessa gente careta e covarde.
Vinte anos depois, mais quilos, mais cabelos brancos e menos colágeno, e os sorrisos ainda mais escancarados
Helê – De vez em quando pintam coisas interessantes, engraçadas, inusitadas nos comentários. Fale de alguns desses causos marcantes.
Aqui vale a pena contar outra história que mudou a minha vida, mas neste caso não só a minha: também a sua e a de uma dúzia de pessoas da nossa bolha. Poucos meses depois de publicarmos a primeira versão dessa entrevista, em outubro de 2010, você escreveu esse post, que assinamos juntas, convocando as pessoas que nos liam a falar com a gente se nos vissem na rua. Logo em seguida, estávamos as duas numa passeata e fomos abordadas por uma mulher incrível, que se tornou uma das nossas melhores e mais queridas amigas. Quer dizer, essa é uma história de um comentário feito ao vivo, e que foi ao mesmo tempo interessante, engraçado, inusitado e muito mais. O curioso é que a outra leitora, a que deu origem a tudo isso, não manteve contato, né? (Gaby, por onde anda você?) Seria engraçado contar para ela o que aquela foto de uma loja em Roma desencadeou na nossa história.
Helê – Essa aventura nos apresentou a muita gente, ao vivo e virtualmente. Para alguns cabe a frase “nunca te vi sempre te amei”. Tem algum blogueiro ou blogueira que gostaria de conhecer?
Depois de vinte anos de aventura, acho que não faltou ninguém. Foram muitos encontros presenciais, viagens que eu fiz para conhecer gente que tava longe, gente que veio para o Rio e eu recebi na minha casa… teve até gente que se hospedou na minha casa sem eu estar aqui, mas isso também é outra história 😀
Acho que posso dizer que a última figurinha que faltava pra completar o álbum veio no mês passado, quando finalmente consegui encontrar o Pedro Rui, nosso leitor português que foi do Porto até Lisboa para tomarmos um copo juntos.
queridas, amei demais ler sobre esses vinte anos! deu saudades e também animação de retomar meu bloguinho empoeirado. Sempre reservo um espacinho da semana para ler o Dufas que chega no email. Vida longa pra vocês! ☺♥ vou mandar zap também rs
Eu sou leitora há tanto tempo que nem sei quando comecei! E sou fã! Em alguns momentos da minha vida, me lembro e cito posts daqui para amigos! Obrigada por seguirem escrevendo! Longa vida ao Duas Fridas! Parabéns!